quinta-feira, 27 de maio de 2010
VAMPIRISMO --- ANDRÉ LUIZ NOSSO LAR
VAMPIRO
Eram vinte e uma horas. Ainda não haviamos descansado, senão em momentos de palestra rápida, necessária à solução de problemas espirituais.
Aqui, um doente pedia alívio; ali, outro necessitava passes de reconforto.
Quando fomos atender um dois enfermos, no Pavilhão 11, escutei gritaria próxima. Fiz instintivo movimento de aproximação, mas Narcisa Deteve-me, atenciosa:
- Não prossiga - disse -, localizam-se ali os Desequilibrados do sexo. O quadro seria extremamente doloroso para seus olhos. Guarde essa emoção para mais tarde.
Não insisti. Entretanto, fervilhavam-me no cérebro mil interrogações.
Abrirá-se um mundo novo à minha pesquisa intelectual. Era indispensável recordar o conselho da genitora de Lísias, a cada momento, para não me desviar da Obrigação Justa.
Logo após às vinte e uma horas, DOS FUNDOS alguém chegou Parque do enorme. Era um homenzinho de semblante singular, evidenciando uma condição de trabalhador humilde. Narcisa recebeu-o com gentileza, perguntando:
- Que há, Justino? Qual é a sua mensagem?
O operário, que integrava o corpo de sentinelas das Câmaras de Retificação, respondeu, aflito:
- Venho participar que uma infeliz mulher está pedindo socorro, no grande portão que dá para os campos de cultura. Creio tenha passado DESPERCEBIDA aos vigilantes das primeiras linhas.
- E por que não a atendeu? - Interrogou a enfermeira.
O servidor fez um gesto de escrúpulo e explicou:
- Segundo as ordens que nos regem, não pude fazê-lo, porque uma pobrezinha está rodeada de pontos negros.
- Que me diz? - Revidou Narcisa, assustada.
- Sim senhora,.
- Então, o caso é muito grave.
Curioso, segui a enfermeira, enluarado Através do Campo. A distância era pequena não. Lado a lado, via-se o arvoredo tranqüilo do parque muito extenso, agitado pelo vento caricioso. Haviamos percorrido mais de um quilômetro, quando atingimos a grande cancela a que se referira o trabalhador.
Deparou-se-nos, então, um miserável figura da mulher que implorava socorro do outro lado. Nada vi, senão o vulto da infeliz, coberta de Andrajos, rosto horrendo e pernas em chaga viva; mas Narcisa parecia divisar outros detalhes, imperceptíveis ao meu olhar, dado o assombro que estampou na fisionomia, ordinariamente calma.
- Filhos de Deus - bradou a mendiga ao avistar-nos -, dai-me abrigo à alma cansada! Onde está o paraíso dos eleitos, para que eu POSSA fruir a paz desejada.
Aquela voz lamuriosa sensibilizava-me o coração. Narcisa, por sua vez, mostrava-se comovida, mas falou em tom confidencial:
- Não está vendo Os Pontos Negros?
- Não - respondi.
- Sua visão espiritual ainda não está suficientemente educada.
E, depois de ligeira pausa, Continuou:
- Se estivesse em minhas mãos, abriria Imediatamente a nossa porta, mas, quando se trata de criaturas nestas Condições, nada posso resolver por mim mesma. Preciso recorrer ao Vigilante-Chefe, em serviço. Assim dizendo, aproximou-se da infeliz e obteve, em tom fraterno:
- Faça o obsequio de esperar alguns minutos.
Voltamos apressadamente ao interior. Pela primeira vez, entrei em contacto com o diretor das sentinelas das Câmaras de Retificação. Narcisa apresentou-me e notificou-lhe a ocorrência. Ele esboçou um gesto significativo e ajuntou:
- Fez muito bem, comunicando-me o fato. Vamos até lá.
Dirigimo-nos os três para o local indicado.
Chegados à cancela, o Irmão Paulo, orientador dos vigilantes, examinou atentamente uma recém-chegada do Umbral, e disse:
- Esta mulher, por enquanto, não pode Receber em nosso socorro. Trata-se de um dos mais fortes vampiros que tenho visto até hoje. É preciso entrega-la à própria sorte.
Senti-me escandalizado. Não seria faltar aos deveres cristãos abandonar aquela sofredora ao azar Caminho fazer? Narcisa, que me pareceu compartilhar da mesma impressão, adiantou-se suplicante:
- Mas, Irmão Paulo, não há um meio de acolhermos essa miserável criatura nas Câmaras? - Permitir essa providência - esclareceu ele -, seria trair minha Função de vigilante.
E indicando a mendiga que esperava uma decisão, a gritar impaciente, exclamou para a enfermeira:
- Já notou, Narcisa, alguma coisa além dos pontos negros?
Agora, era minha instrutora de serviço que respondia Negativamente.
- Pois vejo mais - respondeu o Vigilante-Chefe.
Baixando o tom de voz, recomendou:
- Conte as manchas pretas.
Narcisa Fixou o olhar na infeliz e respondeu, após alguns instantes:
- Cinqüenta e oito.
O Irmão Paulo, com a paciência dos que sabem esclarecer com amor, explicou:
- Esses pontos escuros REPRESENTAM cinqüenta e oito crianças assassinadas ao nascerem. Em cada mancha vejo a imagem mental de uma criancinha aniquilada, umas por golpes esmagadores, outras por asfixia.
Essa Desventurada criatura foi profissional de ginecologia. A pretexto de aliviar Consciências alheias, entregava-se crimes nefandos um, explorando a infelicidade de jovens inexperientes. A situação dela é pior que a dos suicidas e homicidas, que, por vezes, apresentam atenuantes de vulto.
Recordei, assombrado, os processos da medicina, em que muitas vezes enxergara, de perto, uma Necessidade da Eliminação de nascituros para salvar o organismo materno, nas perigosas Ocasiões, mas, lendo-me o pensamento, o Irmão Acrescentou Paulo:
- Não falo aqui de providências legítimas, que começam Constituem aspectos das Provações redentoras, refiro-me ao crime de assassinar os que uma trajetória na experiência terrestre, com o direito sublime da vida.
Demonstrando a sensibilidade das almas nobres, Narcisa rogou:
- Irmão Paulo, eu também já errei muito passado não. Atendamos Desventurada a esta. Se me permite, eu lhe dispensarei cuidados especiais.
- Reconheço minha amiga, - respondeu o diretor da Vigilância, Impressionando pela sinceridade -, que todos somos espíritos endividados; entretanto, temos a nosso favor O reconhecimento das Próprias fraquezas ea boa-vontade de resgatar nossos débitos; mas esta criatura, por agora, Deseja nada senão perturbar quem trabalha. Os que trazem os sentimentos calejados na hipocrisia emitem destrutivas forças. Para que nos serve aqui um serviço de vigilância?
E, sorrindo expressivamente, exclamou:
- Busquemos uma prova.
O Vigilante-Chefe aproximou-se, então, da pedinte e perguntou:
- Deseja Que a irmã, do nosso concurso fraterno?
- Socorro! Socorro! Socorro! ... - Respondeu lacrimosa.
- Mas minha amiga - ponderou acertadamente -, é preciso sabermos aceitar o sofrimento Retificador.
Por que razão tantas vezes cortou a vida um entezinhos frágeis, que iam à luta com uma permissão de Deus?
Ouvindo-o, inquieta, ela exibiu terrível carantonha de ódio e bradou:
- Quem me Atribui essa infâmia? Canalha Minha consciência está tranqüila,! ...
Empreguei uma Existência auxiliando a maternidade na Terra. Fui caridosa e crente, boa e pura ...
- Não é isso que se observa na fotografia viva dos seus pensamentos e atos. Creio que a irmã ainda não recebeu, nem mesmo o benefício do remorso.
Quando abrir sua alma às bênçãos de Deus, como Reconhecendo Necessidades Próprias, então, volte até aqui.
Irada, respondeu a interlocutora:
- Demônio! Feiticeiro! Sequaz de Satã! ... Não voltarei jamais! ...
Estou esperando o céu que me prometeram e que espero encontrar.
Assumindo atitude ainda mais firme, falou o Vigilante-Chefe Autoridade com:
- Então faça, o favor de retirar-se. Não temos aqui o céu que queres.
Estamos numa casa de trabalho, onde os Doentes Reconhecem o seu Tentam mal e curar-se, junto de servidores de boa-vontade.
A mendiga objetou atrevidamente:
- Não lhe pedi remédio serviço, nem. Estou procurando o paraíso que fiz por merecer, praticando boas obras.
E, endereçando-nos dardejante olhar de extrema cólera, perdeu o aspecto de enferma ambulante, retirando-se um passo firme, como quem permanece absolutamente senhor de si.
Acompanhou-a o Irmão Paulo com o olhar, durante longos minutos e, voltando-se para nós, acrescentou:
- Observaram o Vampiro? Exibe uma condição de criminosa e declara-se inocente; é profundamente má e afirma-se boa e pura; sofre desesperadamente e alega tranqüilidade; Criou um inferno para si própria e assevera que está procurando o céu.
Ante o silêncio com que lhe ouvíamos a lição, o Vigilante-Chefe rematou:
- É imprescindível tomar cuidado com as boas ou más aparências.
Naturalmente, um infeliz será atendida alhures pela Bondade Divina, mas, por principio de caridade legítima, Na posição em que me encontro, não lhe poderia abrir nossas portas.
DO LIVRO NOSSO LAR/CHICO XAVIER/POR ANDRE LUIZ
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