Catimbó,  magia, mistério, ocultismo. Como é difícil falar sobre o catimbó. Esta mistura,  às vezes, confundem os adeptos, os simpatizantes, os seguidores do culto.
Dizem  os mais entendidos que o catimbó não possui em seus cultos uma hierarquia,  porém, tenho consciência de que ela existe e é muito precisa para os trabalhos  espirituais da Jurema. Exemplo: um mestre não passa a frente do outro e, nas  mesas, tem um dirigente que é um dos grandes mestres, escolhido pela vidência na  mesa.
Como  nos terreiros de umbanda tem velhos, caboclos, espíritos de cura, boiadeiros que  chefiam, casam e batizam seus seguidores, no catimbó é a mesma coisa: temos uma  família, uma cidade e um Estado.
O  catimbó veio da era medieval, onde bruxos e bruxas, grandes mágicos e até  mulatos, carregadores de sinhàzinhas, mascates, caboclos matreiros, negros  fugitivos, enfim, todas as classes, principalmente os mais carentes, que tinham  que fugir para exercer sua fé, que era proibido na época. Entre mamelucos e  cafuzos, negros e índios, europeus de todos os lados, fugiam para a mata, para  fazer o Catimbó.
Cat-fogo  - timbó-mato; aí está formada a palavra Catimbó, fogo na mata.
Atravessando  todo o Brasil, o Catimbó vem se propagando de Norte a Sul. Ele se alinha com a  encantaria e entre os senhores mestres da Jurema. É um culto que vem ganhando  espaço em todos os segmentos espirituais. Os nossos irmãos do Norte e Nordeste  vivem na esperança de poder voltar, um dia, às suas raízes e tradições.
A  inclusão de santos católicos no Catimbó foi semelhante ao que aconteceu com os  orixás no candomblé, com a única diferença que os Mestres adoram esses  santos.
Com  a chegada dos primeiros colonos portugueses ao Brasil, houve a mistura com os  índios e negros africanos originando, a partir daí, a miscigenação. Aconteceu,  também, a aproximação com a magia negra, muito praticada na época.
O  Catimbó sofreu influências desde o Amazonas até os Estados da Região Nordeste,  misturando toré, pajelança, linha dos ciganos, sensitivos, adivinhos, médicos  curadores, também chamados médicos do espaço. Tudo isto é encantaria.
Sendo  secular o Catimbó vem se misturando com a Umbanda e trazendo diversas  ramificações. Hoje, neste campo, o Mestre Zé Pilintra, com toda sua formação, é  introduzido nos terreiros de vários segmentos.
Existem  pontos comuns com a Umbanda, porque todo Mestre, que desce para trabalhar, vem  falando ou louvando Deus e Jesus Cristo – “E quem pode mais que Deus?” –  é sua bandeira de fé.
A  cultura do Catimbó, apesar de mítica e secular, já tem suas raízes firmadas nos  dias de hoje. O Mestre, o sacerdote, o mentor espiritual é, ao mesmo tempo,  rezador, curador, conselheiro e até mesmo Pai ou Mãe na orientação dos seus  seguidores. Realizam batizados, casamentos, rituais fúnebres, missas e  ladainhas.
Zé  Pilintra é considerado o príncipe da Jurema e hoje muitos terreiros trabalham  com outras falanges: Zé dos Anjos, Zé do Ponto, Zé Arruda, Zé da Canoa, Zé da  Escada, Zé da Rua da Guia, Zé Pereira, Zé do Vale, Zé Enganador, Zé de Aruanda,  Zé da Jurema.
Essas  chefias vão se ampliando e temos encontrado, enfim, outros falangeiros  que estão cheios de ginga e malandragem e trazem para os Estados do Leste e Sul  do Brasil, Zé da Lapa, Zé da Mangueira, Zé de Santa Tereza, etc.
É  bom que se diga que Zé Pilintra nunca foi ladrão, bandido ou arruaceiro, etc.  Ele é e foi um bom malandro. Homem viril, jogador de cartas, que aparecia em sua  época e o seu carteado corria mundo.
Existe  uma grande falange de Zés no Recife, Paraíba, Alagoas, Ceará, Amazonas, nas  taperas, se banhando nos igarapés e rios. São idolatrados tanto por  meninas, moças e até damas da sociedade.
Qualquer  magia praticada para o bem pode ser usada para grandes finalidades.  Objetivamente, o catimbó é a evolução dos guias e dos mestres através do bem e  da cura. Se o mal é feito, isso pode ocorrer pela desinformação do médium ou  pela necessidade da justiça a quem pede.
O  catimbó tem uma base religiosa vinda de várias regiões, é uma prática  magística, ritualística, onde entram santos católicos, água benta, outros  objetos litúrgicos, trabalhando com incorporações vindas através da necessidade  do consulente, principalmente na linha de cura. Problemas materiais e amorosos  são as principais finalidades e a sua parte litúrgica têm muitas vezes a ver com  os santos católicos.
Para  se fazer o mal às pessoas, não é preciso estar no Catimbó. Aliás, o mal não  precisa de religião para ser feito.
Os  mestres trabalham livremente, porém nunca deixa de ter no seu grupo ou na sua  cidade a organização da mesa. Aqueles que tomam parte na mesa da Jurema são os  que formam a cúpula, a chefia do trabalho espiritual. Com incorporações,  vidências, etc. Exemplificando: se a mesa do Catimbó for dirigida por Zé  Pilintra, ele é o primeiro a descer e é o último a subir.
O  Catimbó é uma religião do povo, não existe Catimbó sem terços, rezas,  água-benta, santos católicos, fumaça do cachimbo, vinho da Jurema ou cânticos  fazendo rimas e, tocando seu maracá, os mestres são entidades muito alegres,  naturais e espontâneas. Na incorporação dos senhores mestres não existem teatro,  não são entidades grotescas, não são exus, são bastante diferentes de outros  segmentos.
Não  existem mestres do bem ou do mal, porém, eles podem trabalhar na direita ou na  esquerda.
Já  presenciei, há alguns anos, um Catimbó de mesa de chão, onde o Mestre Zé  Pilintra abria a reunião de cura e limpeza de egum.
Fazia  a chamada dos mensageiros dos mestres e, depois do trabalho e das mesinhas, onde  os consulentes tinham o privilégio de saírem do toque com uma aparência de  grande felicidade e a esperança de dias melhores. Seu Zé transmitia uma  irradiação cheia de compreensão e pedia para que os mestres na terra,  solicitassem aos seus médiuns que abrissem seus corações e que fizessem com que  a fé de cada médium, incorporado, fosse imbatível.
Conclusão:  daquela força formou-se uma egrégora e daí abriu-se uma luz.
Este  fato aconteceu na casa de um babalorixá já falecido (Professor José Ribeiro), em  Jacarepaguá, onde o Catimbó era considerado o melhor da cidade do Rio de  Janeiro. Predominava, ali, a necessidade do povo. Seu Zé descia, chamava Maria  do Acae e, em seguida, o Mestre Carlos.
Os  consulentes ficavam todos esperando, sentados nos enormes bancos do salão, uma  esteira em forma de cruz, com médiuns, todos de branco, fazendo a corrente. De  um lado, Maria do Acae e do outro lado, Mestre Carlos, já bem velhinho e que era  o mediador, para tirar os problemas dos consulentes enquanto, na ponta da mesa  (esteira de chão), havia outro médium trabalhando como mensageiro de Inhançã,  que cremava na panela todos os problemas dos consulentes, prèviamente escritos  pelos próprios.
Já  de madrugada, não havia mais tempo para toque: era tarde, a madrugada já  começava trazendo o amanhecer. No dia seguinte, todos tinham seus empregos. Isto  era uma sessão de Catimbó e seu Zé Pilintra subia, cantando e recitando loas e  versos:
-  Salve seu Zé Pilintra, Mestre Carlos e Maria do Acae!
Já  presenciei em outra casa, em Jaboatão-Recife (Pe), onde os guias desciam e não  dançavam: primeiro trabalhavam e faziam seus Catimbós e depois, então, iniciava  o toque. Era de enlouquecer a demora e os mestres diziam:
-  Primeira a devoção, vamos trabalhar, desmanchar macumba, feitiço, catimbó e  azar.
Depois  de todos os consulentes atendidos, os maracás começavam a tocar e, aí então,  vinha a grande dança do Catimbó, na magnífica e contagiante pisada dos senhores  mestres.
É  preciso ter cuidado para que as sessões não pareçam uma festa pagã: Jurema tem  fundamento e a sorte é Deus quem dá. Vamos respeitar e louvar o Mestre na sua  cidade real - afirmava Mestre Pilão.
Existem  muitos tipos de mestres e variadas incorporações na linha da Jurema. Todos são  responsáveis por suas atividades.
A  lei da mata é a mesma para todos. Em cada casa é plantado um pé de Jurema e aí,  nasce uma cidade encantada, que recebe o nome de um mestre, escolhido pelos  donos da casa.
Esta  é uma característica de independência de cada mestre. Sua força e seriedade  fazem com que estes mesmos mestres sejam temidos e respeitados não existindo,  aí, nenhum critério de comparação com o pantheon africano.
Dentro  do catimbó trabalha-se com muita luz e sendo a Jurema uma linha indígena, temos  exemplos de alguns grandes mestres, como o famosíssimo Pai Joaquim, um velho da  Índia e que vem na chefia das sessões de Umbanda ou linhas cruzadas, como a  linha da Jurema, fazendo lavagem de cabeça.
Rei  Heron, que é doutrinador e curador católico, apaziguador, é um grande chefe  de mesa; Mestre Tupã, que é um espírito de grande força astral, chefe de  um grande reino e faz parte das cidades santas, é conciliador.
Mestre  Caboclo Urubatan, é morador das cidades encantadas dos rios verdes, é guia  para os perdidos e fechador de corpos. Não faz feitiços, nem magias, mandingas  ou catimbó, só trabalha para doutrinar falangeiros e seguidores.
Mestra  Laurinda, parteira, curandeira e rezadeira.
Mestre  Carlos, o Rei do Catimbó, que passou três dias e três noites, dormindo no  tronco do juremá e, quando se levantou, estava pronto para trabalhar.
Mestra  Maria Luziária, vaidosa, conselheira, defensora das mulheres, apaziguadora  dos homens, por vezes mandingueira, brejeira e casamenteira. Dizem que é uma  entidade muito bonita.
Conta  a história que Maria Luziária foi a primeira esposa de Zé Pilintra  e só trabalha para o amor e para fazer o bem. Compositora, suas músicas são  suaves e apresentam um enredo de muito bom gosto.
Mestra  Iracema, rainha da cidade encantada de Panema, vem beirando o mar, se  preocupa muito com crianças e pessoas idosas e é uma cabocla de pena.
Enquanto  Eu viver sobre a Terra,
Enquanto  Eu viver sobre o mar.
Salve!  A Cabocla Iracema.
Salve!  A Sereia do Mar.
Eh!  Eh! Eh! Eh! (Bis)
Mané  Maior é outra entidade de ação, como príncipe canindé, caboclinho, corredor da  mata virgem, aquele que traz as folhas, juntamente com os tapuias e canindés,  para fazer a linha da fumaça e do mel de abelhas. Quando baixa no terreiro,  louva sempre Jesus Cristo, Padrinho Cícero Romão, São Severino do Ramo, Santa  Teresa, Nossa Senhora da Lapa, a Virgem da Conceição e outros.
Os  catimbozeiros não perdem causas e os senhores mestres são impulsivos, otimistas  e bastante generosos. O círculo que fazem no astral sobre o seu consulente é que  tem valor e nas suas invocações estão sempre procurando um canal de luz, onde  possam entrar e resolver os problemas dos consulentes.
 
Fonte:
ABIGAIL  KANABOGY
Caboclo Tupynambá da Cobra Coral
CATIMBÓ
Trecho extraído do  livro: "Rituais e Mistérios do povo Cigano" de Nelson Pires Filho - Ed. Madras